31 de agosto de 2015
“A unanimidade é
burra”, já dizia Nelson Rodrigues. A diversidade é a base da democracia.
Convém, entretanto, não confundir democracia com panaceia democrática.
A rigor, democracia é
o governo do povo pelo povo. Temos governo, temos povo, mas não dispomos de
mecanismos que fortaleçam o protagonismo político do povo. Nosso sistema
democrático é viciado. Nós votamos, o poder econômico elege.
A suposta democracia
política tromba de frente com a falta de democracia econômica. Isso é
universal. Onde impera a democracia capitalista, vigora a ditadura dos donos do
dinheiro.
Os ricos do mundo
sabem muito bem que democratizar a economia, o que significa aumentar a renda
dos mais pobres, é decretar o fim de seus luxos e privilégios.
Essa ganância não
decorre apenas da má índole dos que se apropriam da parcela maior da riqueza. É
estrutural. O capitalismo edificou, nos últimos dois séculos e meio, estruturas
que consolidam as desigualdades sociais. Nele só tem direito a uma vida digna
aqueles que foram sorteados pela loteria biológica ao nascer em uma família
aquinhoada.
Fora disso, todos
dependem do que o sistema apregoa como seu valor máximo: competitividade. E não
solidariedade. A riqueza é pouca, e multidões a ambicionam. Se desejam
alcançá-la, tratem de escalar a íngreme montanha, fazendo com que os
concorrentes rolem encosta abaixo. No pico cabem poucos.
Em nenhum momento o
sistema parte do princípio humanitário de que todos têm direito a uma vida
digna e, portanto, caberia ao Estado administrar a distribuição da riqueza.
A injustiça é
estrutural e os ideólogos do sistema, como Adam Smith, incutiram em muitas
cabeças que a questão de riqueza e pobreza depende da “mão invisível do
mercado”. Ou seja, há um mecanismo que, à revelia da vontade de qualquer
pessoa, faz com que as coisas sejam como são. Pura falácia, porém respaldada
pelo aviso prévio de que fora do mercado não há salvação...
Mesmo os mais
renomados opressores se gabam de ser éticos: pagam a seus empregados salários
acima do valor de mercado; jamais destratam um garçom ou manobrista; são
incapazes de roubar um bem alheio.
Como são bem
informados, conhecem os mecanismos do sistema. E por ter poder, conseguem fazer
aprovar leis que favorecem os seus negócios, como obter empréstimos fabulosos
de bancos públicos a juros baixos ou ter suas dívidas perdoadas pelo governo.
Tudo legal! Jamais se perguntam se é... Justo!
Alguns ambiciosos
agem à margem das leis do sistema. É o que ocorreu no Petrolão e na Operação
Zelotes, que apuram a sonegação das grandes empresas. Os envolvidos não se
sentem corruptos. Contabilizam tudo nas “regras do jogo”. Na convicção de que
“sempre funcionou assim”. E se uma corporação não aceita o jogo, fica fora do
festim. Assim, a ética, como o gato, sobe no telhado...
A falta de caráter
leva os envolvidos na corrupção a vestir, não apenas a camisa, mas a pele de
suas corporações, e arriscar a própria no jogo escuso do mercado. Se um desses
corruptos sentar em uma sala de visitas, é possível que receba toda deferência
da família que o acolhe. Rico como é, talvez provoque, da parte dos anfitriões,
uma ponta de inveja...
Porém, se o visitante
enfiar no bolso o cinzeiro de cristal e a família perceber, com certeza será
acusado de ladrão e expulso da casa.
Enquanto nosso senso
ético for tolerante com a falta de ética no social e intolerante apenas no
pessoal, não haverá Lava Jato que resolva.
Frei Betto é
escritor, autor, em parceria com Veríssimo e Cristovam Buarque, de “O desafio
ético” (Garamond), entre outros livros.
(FONTE:http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=11063:2015-09-01-00-12-16&catid=17:frei-betto&Itemid=55).
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