Na
arrogância de um deputado recém-eleito, toda a complexidade de um sistema que
se recusa a se democratizar de verdade.
por Jean Wyllys, em 09/02/2015.
Arthur
Virgílio Bisneto: nome remete à tradição nobiliárquica dos tempos do feudalismo
ainda persistente na esfera pública
Nesta
prosaica nota jornalística, neste prosaico episódio noticiado abaixo, está
― sem que seu autor tenha necessariamente se dado conta disso ― toda
a complexidade das relações sociais e políticas brasileiras, bem como as
evidentes marcas dos eventos históricos que nos forjaram/forjam como nação (o
colonialismo, a escravidão de negros e negras e a ditadura militar).
O
deputado Arthur Virgílio Bisneto (PSDB-AM) recusa-se a usar um bottom de identificação
de deputado e já foi barrado no Plenário da Câmara. O motivo: alega que seu pai
e seu avô, que já cumpriram mandatos, nunca tiveram de fazê-lo, e quer manter a
tradição.
A postura
do novo deputado federal ― muita atenção ao nome dele, que remete à
tradição nobiliárquica dos tempos do feudalismo ainda persistente na esfera
pública ― é mais que um exemplo da faceta autoritária e hierárquica
brasileira ― "Sabe com quem está falando?" ― à qual se
refere o antropólogo Roberto DaMatta: a postura do deputado expressa um sistema
político que se recusa a se democratizar, a se abrir e a mudar de verdade;
expressa o quanto as jornadas de junho de 2013 foram mais uma catarse caótica
que uma reivindicação clara e objetiva de mudança na representação política, já
que, com aquela quantidade de gente (jovem!) nas ruas protestando "contra
tudo isso que está aí", o mínimo que se deveria esperar dos eleitores era
que estes elegessem representantes que não fizessem parte de ― nem
sustentassem ― "tudo isso que está aí", como é o caso do novo
deputado da notícia em questão.
Sua
postura e arrogância revelam o triunfo da pior política brasileira, expressa na
"renovação" conservadora do Congresso Nacional (em que a bancada de
filhos, filhas e netos de políticos com muitos mandatos cresceu bastante) e na eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara,
garantida mediante financiamento privado de campanha e de abertura de balcão de
negócios. E expressa principalmente a ignorância motivada de uma maioria de
brasileiros historicamente subtraída em tenebrosas transações políticas feitas
por essa turma que está por cima desde sempre, ainda que vestida em diferentes
peles e disfarces, mas que, manipulada pelo ângulo e edições das coberturas
jornalísticas ou simplesmente arrastada pelo sabor do senso comum e da falta de
discernimento, não vê que o problema da política no Brasil é justamente a
existência de um deputado com essa tradição e comportamento.
Enquanto
essa política nefasta vai ficando cada vez mais forte com a cumplicidade de
eleitores comprados ou manipulados que, depois, vão para o Facebook e pro WhatsApp
reclamar "dos políticos", sem separar joio de trigo, as pessoas e
instituições que lhe sustentam (a essa política nefasta) insistem no
discursinho fácil e desonesto de que a erradicação do PT da cena política será
a solução para os males que nos afetam.
Não que o
PT não tenha sua parcela de culpa ao ceder a essa política nefasta em vez de a
ter enfrentado com coragem, mesmo que isso significasse a perda do poder. O PT
tem sua parcela de culpa, sim (e está pagando o preço de ter cedido e se
juntado aos porcos que hoje querem lhe atribuir a lama que produzem há
décadas). Longe de mim fazer defesa dos erros do PT (ao contrário, quero que as
pessoas do PT que erraram sejam punidas, mas não só elas).
Votei em
Dilma no segundo turno e, por isso mesmo, tenho mais razões para apontar os
equívocos de seu governo e fazer lhe cobranças do que as pessoas que votaram em
Aécio Neves ― outro exemplar das capitanias hereditárias e da tradição
nobiliárquica (ele é filho de Aécio Cunha e neto de Tancredo Neves). Contudo, a
nefasta política que usurpa nossos recursos, liberdades e direitos ― sim, além
de corrupta, essa política é falso-moralista e contrária às liberdades
individuais seja pra afirmar a identidade sexual, seja pra fumar maconha por
recreação ― essa política nefasta não é propriedade do PT nem da esquerda; está
distribuída nos estados e municípios brasileiros (não só nos do
Norte-Nordeste!) e está contida no episódio noticiado.
Querem
mudar a política de verdade? Comecem pelo estudo de nossa história; passem pelo
acesso a diferente fontes de informação e pelo exercício da interpretação dos
fatos; e terminem por acompanhar, de perto, os mandatos dos que mereceram seus
votos!
(FONTE:
http://www.cartacapital.com.br/politica/2018sabe-com-quem-esta-falando-2019-as-raizes-de-uma-politica-nefasta-1997.html).
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