28/08/2012
Sarah Jaffe - Alternet
Vinte e um trilhões - com “t” - de dólares. Eis o que as pessoas mais
ricas do mundo escondem em paraísos fiscais internacionais. Embora a quantidade
real possa ser maior, chegando aos 32 trilhões, uma vez que, claro, é quase
impossível conhecê-la com exatidão.
Ao mesmo tempo em que os governos cortam o gasto público e demitem os
trabalhadores, em prol de uma maior "austeridade" obrigada pela
desaceleração da economia, os super-ricos - menos de 10 milhões de pessoas -
esconderam longe do alcance do arrecadador de impostos uma quantidade igual às
economias japonesa e estadunidense juntas.
Os dados são de um novo relatório da Tax Justice Network (Rede para a justiça
tributária) [1] cujas conclusões são impactantes. As receitas
fiscais perdidas graças aos refúgios fiscais extraterritoriais – offshore -,
afirma o relatório, "são suficientemente grandes como para marcar uma
diferença significativa em todas nossas medidas convencionais da desigualdade.
Dado que a maior parte da riqueza financeira desaparecida pertence a uma
pequena elite, o efeito é assustador”.
James S. Henry, ex-economista chefe em McKinsey & Co, autor do livro The
Blood Bankers (Os banqueiros ensanguentados) assim como de artigos em
publicações como o The Nation e o The New York Times, procurou suas informações
no Banco de Compensações Internacionais, no Fundo Monetário Internacional, no
Banco Mundial, nas Nações Unidas, nos bancos centrais e analistas do setor
privado, e descobriu os contornos da gigantesca reserva de dinheiro que flutua
nesse lugar nebuloso conhecido como offshore. (E isso que só se ocupou do
dinheiro em espécie: o relatório deixa de lado coisas como bens de raízes,
iates, obras de arte e outras formas de riqueza que os super-ricos escondem,
livres de impostos, nos paraísos fiscais extraterritoriais.)
Henry se refere a eles como um "buraco negro" na economia
mundial e afirma que, "apesar de ter muito cuidado em ser cauteloso, por
prudência, os resultados são assustadores."
Há uma grade quantidade de informação para analisar neste relatório,
pelo que nos limitamos aqui a seis coisas que devemos saber sobre o dinheiro
que os mais ricos do mundo escondem de nós.
1. Apresentamos-lhes o Top 0,001%
"Segundo nossas estimativas, pelo menos um terço de toda a riqueza
financeira privada, e quase a metade de toda a riqueza offshore, é agora
propriedade das 91.000 pessoas mais ricas do mundo: só 0,001% da população
mundial", diz o relatório. Estes 91.000 que formam o vértice da pirâmide
têm cerca de 9,8 trilhões de dólares do total estimado neste estudo, e menos de
dez milhões de pessoas detém todo o volume de dinheiro em espécie.
Quem são essas pessoas? Sabemos que são os mais ricos, mas o que mais
sabemos deles? O relatório menciona "especuladores imobiliários chineses e
magnatas do software de Vale do Silício, com idades em torno de trinta
anos", e em seguida estão aqueles cuja riqueza provém do petróleo e do
tráfico de drogas. Não menciona, mas poderia, os candidatos presidenciais dos
Estados Unidos. Por exemplo, Mitt Romney que recebeu fortes críticas por ter
dinheiro guardado em uma conta bancária na Suíça e em investimentos nas Ilhas
Cayman, segundo o site Politifact [2].
Os narcotraficantes têm necessidade, é claro, de ocultar seus lucros
ilícitos, mas muitos dos outros super-ricos pretendem simplesmente evitar o
pagamento de impostos, para o qual constroem complicadas redes de empresas e
investimentos só para deduzir um pouco mais da fatura fiscal que pagam em seu
país de origem. Tudo ajuda.
2. Onde está o dinheiro? É difícil saber
Offshore, segundo Henry, não é já um lugar físico, embora existam vários
lugares, como Singapura e Suíça, que ainda se especializam em proporcionar
"residências físicas seguras e fiscalmente interessantes" aos ricos
do mundo.
Mas nestes tempos que correm, a riqueza offshore é virtual. Henry a
descreve como algo nominal, hiperportátil, multijurisdicional, seguidamente
lugar temporário de redes de entidades e acordos legais ou quase legais. Uma
empresa pode estar situada em uma jurisdição, ser propriedade de um testa de
ferro localizado em outro lugar e ser administrada por testas de ferro de um
terceiro lugar. "Em última instancia, portanto, o termo offshore se refere
a um conjunto de capacidades" e não tanto a um ou vários lugares.
Também é importante, afirma o relatório, distinguir entre os
"paraísos intermediários" - lugares nos quais pensam a maioria das
pessoas quando se fala de paraísos fiscais, como as Ilhas Cayman de Mitt
Romney, as Bermudas ou a Suíça - e os "paraísos de destino", que
incluem os EUA, o Reino Unido e inclusive a Alemanha. Estes destinos são
desejáveis já que proporcionam "mercados de valores relativamente
eficientes e regulados, bancos respaldados por grandes populações de
contribuintes, e companhias de seguro. Além de códigos jurídicos desenvolvidos,
advogados competentes, poder judicial independente e Estado de direito."
Assim, pois, os mesmos que escapam do pagamento de impostos distribuindo
seu dinheiro por diferentes lugares, se aproveitam dos serviços financiados
pelos contribuintes para fazê-lo. E nos EUA, alguns estados começaram, desde a
década de 1990, a oferecer entidades jurídicas a baixo custo "cujos níveis
de confidencialidade, proteção frente aos credores e vantagens fiscais
rivalizam com os dos tradicionais paraísos fiscais secretos do mundo."
Adicione a isso a porcentagem cada vez menor dos impostos que os ricos e as empresas
estadunidenses pagam e verão que estamos começando a ter um aspecto muito
atrativo para aqueles que tratam de camuflar seu dinheiro.
3. Grandes bancos resgatados dirigem este negócio
Mas quem facilita este processo? Alguns nomes familiares saem
rapidamente à superfície quando se vasculha os dados: Goldman Sachs, UBS e
Credit Suisse são os três primeiros, e o Bank of America, Wells Fargo e JP
Morgan Chase estão no Top 10. Segundo afirma o relatório, "Agora podemos
acrescentar algo a mais a sua lista de distinções: são os atores principais dos
refúgios fiscais de todo o mundo e ferramentas chave do injusto sistema
tributário global”.
No final de 2010, os maiores 50 bancos privados administravam cerca de
12,1 trilhões de dólares em "ativos trans fronteiriços" investidos
por seus clientes. É mais do que o dobro da cifra de 2005, e representa uma
taxa média de crescimento anual superior a 16%.
"Desde bancos a empresas contábeis e advogados corporativos,
algumas das maiores empresas do mundo são parte da trama de evasão fiscal
global", escreve no The Guardian a investigadora financeira (e ex-trader
de Goldman Sachs) Lydia Prieg. "Estas empresas não são pessoas jurídicas
as quais possamos chamar a atenção para que paguem sua parte justa; sua razão
de ser consiste em maximizar seus lucros e os de seus clientes."
"Até finais da década de 2000", afirma Henry, "a
sabedoria convencional entre os capitalistas evasores era: 'O que existe de
mais seguro que os bancos suíços, estadunidenses ou britânicos etiquetados como
grandes demais para falir? '” Sem os resgates que acompanharam a crise
financeira de 2008 – acrescenta - muitos dos bancos que estão escondendo
dinheiro em espécie para os ultra ricos já não existiriam. "Dar por certo
o apoio dos governos é precisamente a razão principal pela qual os super-ricos
fazem seus negócios com os bancos de maior tamanho."
4. A desigualdade é pior do que acreditamos
Com toda esta riqueza oculta em todo o mundo, impossível de contar e de
tributar – afirma a Tax Justice Network -, não resta dúvida de que estamos
subestimando a desigualdade de ingressos e riqueza realmente existente. Stewart
Lansley, autor de The Cost of Inequality (O custo da
desigualdade), assegurou a Heather Stewart, do The Guardian: "Não há
absolutamente nenhuma dúvida de que as estatísticas sobre a renda e a riqueza
dos de cima diminuem a magnitude do problema".
Ao calcular o coeficiente Gini, que mede a desigualdade em uma
sociedade, disse, "Não se recolhem os dados dos multimilionários, e
inclusive quando se faz, não é adequadamente".
Este é um assunto tão importante que a Tax Justice Network incluiu um
segundo relatório, ao mesmo tempo em que o de Henry, titulado "Inequality:
You don't know the half of it" [3] (Desigualdade:
você não conhece nem a metade). O estudo detalha todos os problemas da forma em
que agora calculamos a desigualdade; seguidamente parecem ser, em essência, que
não temos uma medida exata da verdadeira riqueza dos super-ricos. Os dados
sobre ingressos fiscais estão disponíveis, mas se na realidade há trilhões
escondidos por todo o mundo nos paraísos fiscais, como calcular os ingressos
reais dos mais ricos do mundo?
A desigualdade disparou em todo o mundo, segundo os cálculos
frequentemente utilizados. Se o 1% superior da população dos EUA não só é dono
de 35,6% da riqueza, por exemplo, mas que também tem um volume de dinheiro
muito maior escondido em algum lugar, que significado tem isto para nós?
Não esqueçamos, afirma o relatório, que "a desigualdade é uma opção
política. Ou seja, nós decidimos o quê fazer como sociedade baseando-nos no
montante de desigualdade que consideramos tolerável ou justo. Se esse montante
é muito maior do que pensamos, de que forma desvaloriza nossas prioridades?
Muitos estadunidenses já estão mal informados acerca de seu nível de
desigualdade, mas este estudo confirma que inclusive os supostos especialistas
estão subestimando em muito o problema”.
5. Os países "endividados" não devem, na realidade, nada
O relatório de Henry destaca um subgrupo de 139 países, de ingressos
baixos ou médios, e destaca que segundo a maioria dos cálculos, os ditos 139
países tinham, em conjunto, uma dívida superior a quatro trilhões de dólares no
final de 2010. Mas ao se tomar em conta todo o dinheiro que se acumula
offshore, os países, na verdade, teriam uma dívida negativa de 10 trilhões de
dólares, ou como Henry escreve:
"Uma vez tomados em consideração estes ativos ocultos e os
ingressos que geram, muitos antigos países "devedores" seriam, de
fato, países ricos. Mas o problema é que sua riqueza está depositada offshore,
em mãos de suas próprias elites e seus banqueiros privados”.
Henry afirma também que os países em desenvolvimento em seu conjunto
terminam sendo credores do mundo desenvolvido, em lugar de devedores, e o foram
durante mais de uma década. "Isto significa que se trata realmente de um
problema de justiça tributária, não simplesmente de ‘dívida’”.
Mas essas dívidas, como afirmamos, recaem nos ombros dos trabalhadores desses países, que não podem desfrutar das vantagens dos sofisticados paraísos fiscais.
Mas essas dívidas, como afirmamos, recaem nos ombros dos trabalhadores desses países, que não podem desfrutar das vantagens dos sofisticados paraísos fiscais.
E isto, é claro, não é só um problema do mundo em desenvolvimento. Hoje
em dia, afirma Henry, o mundo desenvolvido tem sua própria crise da dívida
(vejam-se os problemas atuais da zona do euro). O economista francês Thomas
Piketty afirma, "a riqueza depositada em paraísos fiscais é provavelmente
de um montante suficiente para converter a Europa em um credor muito grande com
respeito ao resto do mundo”.
6. Quanto estamos perdendo?
Aqui está o centro da questão, não? É impossível saber a exatamente, é
claro, devido a que as cifras são só estimativas, mas Henry calcula que se
estes 21 trilhões de dólares não declarados obtivessem uma taxa de rendimento
de 3% e os ingressos se gravaram em 30%, por si só gerariam receitas fiscais de
cerca de 190 bilhões de dólares. Se a quantidade total de dinheiro colocada em
paraísos fiscais fosse próxima a estimativa mais alta, ou seja, 32 trilhões de
dólares, se obteriam cerca de 280 bilhões, o que é aproximadamente o dobro do
montante que os países da OCDE gastam em ajuda ao desenvolvimento. Em outras
palavras, uma enorme quantidade de dinheiro. E isso levando em conta que um
rendimento de 3% é um cálculo muito prudente.
Estamos falando unicamente de impostos sobre a renda: os impostos
sobre os lucros, impostos à herança e outros renderiam ainda mais.
Por isso Henry afirma que, no final das contas, poderíamos tomar este
assunto como uma boa notícia. "O mundo acaba de localizar uma quantidade
enorme de riqueza financeira que poderia ser utilizada para contribuir à
solução dos problemas mundiais mais urgentes". "Temos a oportunidade
de pensar não só acerca de como prevenir alguns dos abusos que conduziram a
esta situação, mas também de pensar na melhor maneira de fazer uso dos
ingressos atualmente não tributáveis que gera."
NOTAS
[1] James S. Henry, The Price of Offshore Revisited , 2012
[2] http://www.politifact.com/truth-ou-meter/statements/2012/jul/17/barack-obama/obama-ad-says-romney-stashed-money-caymam-islands/
[3] http://taxjustice.blogspot.be/2012/07/inequality-you-dont-know-half-of-it.html
(*) Publicado originalmente em Alternet. Tradução de Libório Júnior a partir da versão em espanhol publicada em Bitácora (Uruguai). Sarah Jaffe é jornalista.
[3] http://taxjustice.blogspot.be/2012/07/inequality-you-dont-know-half-of-it.html
(*) Publicado originalmente em Alternet. Tradução de Libório Júnior a partir da versão em espanhol publicada em Bitácora (Uruguai). Sarah Jaffe é jornalista.
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