Para as elites do país é inadmissível que a "ordem" que lhes assegura no poder é sustentada por um grau altíssimo de violência estatal cotidiana.
Fábio Nassif
Cláudia
Ferreira da Silva foi assassinada por agentes de segurança pública. Moradora do
Morro da Congonha, em Madureira (subúrbio do Rio de Janeiro), mãe de quatro
filhos, negra, Cláudia havia saído pra comprar pão. Era domingo. Foi atingida
por dois tiros, um no peito, outro na cabeça. Os policiais a jogaram no
porta-malas da viatura e durante o trajeto seu corpo caiu no asfalto. Pelo
relato de sua filha, Thaís, Cláudia ainda estava consciente quando foi
arremessada no carro da polícia. Ela foi arrastada por pelo menos 350 metros e
morreu. A cena foi gravada e divulgada na internet.
O roteiro que se segue diante de fatos como esse é o mesmo: os policiais afirmam que ela tinha ligações com o tráfico de drogas, que houve troca de tiros e que tentaram socorrê-la; o comando da Polícia Militar afasta os soldados envolvidos; o governo estadual promete apuração rigorosa do caso; a presidenta da República se diz chocada; a grande mídia explora o caso e se diz sensibilizada.
O roteiro que se segue diante de fatos como esse é o mesmo: os policiais afirmam que ela tinha ligações com o tráfico de drogas, que houve troca de tiros e que tentaram socorrê-la; o comando da Polícia Militar afasta os soldados envolvidos; o governo estadual promete apuração rigorosa do caso; a presidenta da República se diz chocada; a grande mídia explora o caso e se diz sensibilizada.
Todos esses
protagonistas alimentam a mesma tese de que a morte de Cláudia se trata de uma
exceção, um acidente, um erro de percurso, um incidente chocante e infeliz.
Os moradores da comunidade de
Cláudia protestam. Mas para as elites
do país é inadmissível que a "ordem" que lhes assegura no poder é
sustentada por um grau altíssimo de violência estatal cotidiana. É considerada
uma ameaça ao seu "Estado democrático de direito", a percepção
generalizada, por parte da população, de que o assassinato de negros pobres das
periferias é regra básica e fundamental da nossa democradura.
Exagero? Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013, as polícias matam cinco pessoas por dia no Brasil. Duas em cada três pessoas mortas pela polícia são negras.
Exagero? Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2013, as polícias matam cinco pessoas por dia no Brasil. Duas em cada três pessoas mortas pela polícia são negras.
É tão
incompreensível que tantos ônibus estejam sendo incendiados por aí?
A mídia cuida de somar a quantidade deles. Convocam “especialistas” em segurança para analisar os protestos violentos. Fazem o cálculo do prejuízo financeiro de tais depredações. E a narrativa se encerra no problema do trânsito causado pelos atos de revolta.
A mídia cuida de somar a quantidade deles. Convocam “especialistas” em segurança para analisar os protestos violentos. Fazem o cálculo do prejuízo financeiro de tais depredações. E a narrativa se encerra no problema do trânsito causado pelos atos de revolta.
Ignoram,
hipócrita e propositalmente, o grito da população oprimida que quer passar um
único recado: os assassinatos praticados por policiais são a regra no estado de
exceção que existe nas periferias.
Mais do que
uma análise acadêmica sobre as características do atual regime político
brasileiro, a verdade irrefutável é que o aprofundamento da militarização do
sistema de segurança do país faz deste estado um dos mais violentos do mundo.
O ano de 2014
já está marcado por um nível de conflitividade social ímpar. Como lidar com uma
população que tem deixado de aceitar o cotidiano massacrante que garante o
poder confortante de uma minoria? Até agora o que se sabe é que o país se
prepara, com leis e armas, para garantir a realização da Copa do Mundo da Fifa
e, muito mais do que isso, para retomar a "estabilidade" necessária
para a realização das eleições.
Ainda mais neste ano em que descomemoramos o golpe militar de 64, não é possível admitir a defesa da “democracia” e ao mesmo tempo a manutenção da militarização da segurança pública. Não tem sentido lógico nem político defender um modelo de ocupação territorial ostensivo e militarizado de favelas – ironicamente chamado de pacificação – e se dizer em choque com as mortes praticadas pelas forças públicas de segurança.
Nem mesmo o forte slogan da "guerra às drogas" - que justifica até hoje os crimes cometidos pelo Estado – têm conseguido esconder o fato de se tratar de uma guerra aos pobres.
Ainda mais neste ano em que descomemoramos o golpe militar de 64, não é possível admitir a defesa da “democracia” e ao mesmo tempo a manutenção da militarização da segurança pública. Não tem sentido lógico nem político defender um modelo de ocupação territorial ostensivo e militarizado de favelas – ironicamente chamado de pacificação – e se dizer em choque com as mortes praticadas pelas forças públicas de segurança.
Nem mesmo o forte slogan da "guerra às drogas" - que justifica até hoje os crimes cometidos pelo Estado – têm conseguido esconder o fato de se tratar de uma guerra aos pobres.
Enquanto os
problemas de fundo do país não forem encarados em um nível político superior e
com uma agenda de enfrentamento à lógica do Capital, nossa história, incapaz de
se livrar da dependência da violência estatal, continuará sendo arrastada
dolorosamente pelo asfalto.
Fábio Nassif é jornalista da Carta Maior.
FONTE:(http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/A-violencia-estatal-que-nos-arrasta-pelo-asfalto/5/30512)
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