Escrito por Gabriel Brito, em Correio da Cidadania |
Sexta, 14 de março de 2014
Como ninguém poderia prever, o último carnaval carioca não ficou
marcado apenas pelos festejos de rua e os catárticos desfiles na Sapucaí. Foi
também o “carnaval dos garis”, que realizaram uma vigorosa greve e
paralisaram o serviço de coleta de lixo, tornando a Cidade Maravilhosa uma
fétida passarela para os foliões, o que não impediu o apoio massivo da
população aos grevistas.
“Acho que o prefeito não acreditou que pararíamos e pagou pra ver. Mas
fez a aposta errada. Eu também não esperava a categoria toda se unindo e
entendendo o propósito. Todo mundo vestiu a camisa. Mesmo aqueles que foram
coagidos em suas gerências. O movimento foi regido por funcionários de dentro
da empresa, cansados de sofrerem e serem perseguidos, cansados de não terem
valor”, disse Fabio Coutinho, um dos principais líderes da paralisação, em
entrevista ao Correio.
Além de traçar um histórico de mais de quatro anos de gestação da luta
dos garis, Fabio denuncia a atuação patronal do sindicato da categoria e seus
diretores, ciosos de interesses particulares na gestão da Companhia Municipal
de Limpeza Urbana (Comlurb).
“Fecharam a assembleia e assinaram um documento que decidia nossos
salários e nossos direitos, juntamente com a diretoria da Comlurb e o senhor
Pedro Paulo, da Casa Civil. Não poderiam ter feito isso com a categoria. Os
funcionários não aceitaram e foram às ruas reivindicar seus direitos. Se hoje
tivemos a greve e todo esse transtorno dentro do Rio de Janeiro, os
principais culpados estão no sindicato da Comlurb”, explica o líder dos
garis, que não deixou de exaltar a força da união dos trabalhadores, além de
agradecer o apoio popular, em uma vitória que parecia improvável.
A entrevista, novamente realizada em parceria com a webrádio Central3,
pode ser lida na íntegra a seguir.
Correio da Cidadania: Em primeiro lugar, como você analisa a
recém-encerrada greve dos garis do Rio de Janeiro e os resultados obtidos
pela categoria?
Fabio Coutinho: Os
resultados superaram nossas expectativas, porque não esperávamos que o
prefeito aceitasse nossas reivindicações. Até porque pesquisamos antes,
quando encontramos alguns advogados e sindicatos, e nos relataram que sempre
foi muito difícil negociar com o Eduardo Paes. Cheguei a ir ao Sindicato dos
Servidores Públicos (Sisep), que defende os guardas municipais e, na conversa
com os advogados deles, nos disseram ser quase impossível conquistarmos essa
vitória que todos presenciaram. Só tenho a agradecer a deus por ter nos
ajudado na batalha e a obter a vitória para toda a categoria da Comlurb.
Correio da Cidadania: Você pode nos contar um pouco mais sobre a
história das lutas e mobilizações da categoria, fazendo um retrospecto sobre
os últimos tempos?
Fabio Coutinho: Nossa
luta começou, de verdade, em 2010, com o Valério, amigo que já não se
encontra entre nós, pois foi identificado pela companhia como líder do
movimento e depois mandado embora. De lá pra cá, não conseguimos mais fazer
movimento, os colegas ficaram desmotivados, muitos amigos entregaram os
pontos. Até que no ano passado, em junho e julho, começou aquele movimento no
Brasil, do passe livre, dos estudantes... Aí renasceu um desejo de fazer a
luta. Iniciei uma página na internet, comecei a colocar certos
questionamentos dentro da empresa, consegui colocar algumas fotos de
condições de trabalho inapropriadas pelas quais passamos e a página cresceu
bastante. Os colegas começaram a aceitar melhor a ideia e a buscarem mais
informações.
Depois, nasceu o desejo de iniciar o ano de 2014 reivindicando
melhorias. Fizemos uma campanha para todos os garis usarem nariz de palhaço
no réveillon. Porém, muitos amigos foram coagidos pelos gerentes, que
ameaçaram com suspensões e demissões. Muitos ficaram receosos, mas nunca
desistimos da luta. Perseveramos, fomos ao sindicato num grupo de 70
funcionários, conversamos, fizemos nossas reivindicações, e de lá pra cá
começamos o movimento.
Tivemos uma manifestação na nossa sede, na Rua Major Ávila, onde
tivemos um número maior de colegas. A seguir, na nossa assembleia na Tijuca,
tivemos 600 colegas. De lá pra cá, foi crescendo. Até que marcamos uma
manifestação para 23 de fevereiro na Central do Brasil, na qual tivemos cerca
de 3500 companheiros marchando, invadimos o sambódromo e cantamos a marchinha
do ano, que ficou famosa: “ê, ê, ê, nesse carnaval o prefeito vai varrer”.
Acho que o prefeito não acreditou que pararíamos e pagou pra ver. Mas
fez a aposta errada. Eu também não esperava a categoria toda se unindo e
entendendo o propósito. Todo mundo vestiu a camisa. Mesmo aqueles que foram
coagidos em suas gerências. Eles fizeram a “campanha tartaruga”, isto é,
saíram pra trabalhar, mas não coletaram o lixo.
Correio da Cidadania: E o que pode ser dito a respeito da postura da
prefeitura e das declarações de Eduardo Paes, que desqualificou a greve e
demitiu 300 garis, inclusive ofendendo a categoria?
Fabio Coutinho: As
colocações do prefeito foram erradas, chegando a sugerir que algum empresário
estaria por trás do movimento. Mas eu digo que foi um equívoco dele. O
movimento foi regido por funcionários de dentro da empresa, cansados de
sofrerem e serem perseguidos, cansados de não terem valor.
Eu mesmo sou funcionário há 12 anos. Quando entrei na Comlurb só
tinha a quinta série e, hoje, graças a deus, sou bacharel em administração.
Foi isso que me deu uma visão política e um direcionamento, para que
pudéssemos comandar as manifestações até alcançarmos a vitória.
Correio da Cidadania: O que você diria a respeito da atuação do
sindicato que oficialmente representa os garis?
Fabio Coutinho: Nosso
sindicato é patronal. O senhor Meirelles, hoje diretor do sindicato, antigo
presidente, ocupa na Comlurb uma portaria de gerente de departamento. Ganha
em torno de 8 mil reais, por baixo. E todos os diretores do sindicato ocupam
cargos de confiança dentro da Comlurb. Muitos têm filhos que trabalham lá
dentro. Por isso que o sindicato nunca trabalha em favor do funcionário, e
sim da instituição. Porque eles sabem que dentro da Comlurb conseguem tirar
muito mais que os trabalhadores. Conseguem honorários maiores.
A luta contra o sindicato já tem anos. Mas neste ano se deram mal,
acharam que nos calaríamos mais uma vez. No dia 28 de fevereiro, nosso
sindicato, erroneamente, fechou a assembleia que tinha de ser marcada com os
funcionários. Fecharam a assembleia e assinaram um documento que decidia
nossos salários e nossos direitos, juntamente com a diretoria da Comlurb e o
senhor Pedro Paulo, da Casa Civil.
Fizeram errado, não poderiam ter feito isso com a categoria. Os
funcionários não aceitaram e foram às ruas reivindicar seus direitos. Se hoje
tivemos a greve e todo esse transtorno dentro do Rio de Janeiro, os
principais culpados estão no sindicato da Comlurb.
Correio da Cidadania: A respeito dessas 300 demissões, o que a
categoria fará?
Fabio Coutinho: Assinamos
um acordo coletivo com a presidência e os defensores da OAB, no qual se
readmitiriam todos os funcionários. Fora isso, estou recebendo algumas
notificações, ainda não tenho certeza total, de que colegas nossos estão
recebendo assédio moral por parte de seus gerentes. E uma das cláusulas do
acordo é de que todo aquele que participou da greve não poderia sofrer
qualquer assédio ou interferência da chefia. Mas não é esse o relato dos
colegas. Vários já estão me dizendo estarem sofrendo ameaças e assédio moral
por parte dos gerentes.
Correio da Cidadania: Sobre a mídia, o que poderia ser dito em relação
à greve?
Fabio Coutinho: Um
dos fatores primordiais de nossa vitória foi o apoio de todas as mídias
independentes. Elas que foram nossas vozes. Estavam sempre incentivando,
dando palavra, divulgando, e tiveram um papel primordial na vitória.
Em compensação, as grandes redes só diminuíam nosso movimento. Quando
havia 2000 pessoas na rua, diziam que eram só 150. Que não eram
trabalhadores, mas um “bando de baderneiros”, como o senhor prefeito falou.
“Baderneiros”, “vagabundos”... Mas quero deixar bem claro que ali só tinha
trabalhador, pais e mães de famílias, profissionais que buscavam e lutavam
por seus direitos.
Correio da Cidadania: E o que você achou da opinião pública?
Fabio Coutinho: Desde
já, desculpo-me com a população pelo transtorno desses dias, mas também
agradeço pelo apoio de todos. Todos entenderam, nas manifestações éramos
aplaudidos, pessoas abriram janelas de seus apartamentos balançando toalhas
cor de abóbora e brancas, tudo em favor dos garis.
Tenho visto vários relatos de colegas que mostram como fomos
homenageados como heróis, muitos tiram fotos e conversam conosco querendo
saber como foi tudo isso. Recebemos os parabéns de outras categorias também,
falando que fomos um incentivo para a luta delas. Foi uma surpresa muito
grande vermos a sintonia da população com o movimento da Comlurb.
Correio da Cidadania: Que aprendizados você acredita que essa jornada
de greve deixa para a categoria dos garis e também para outros setores da
classe trabalhadora?
Fabio Coutinho: Nós
aqui mostramos que a união faz a força. Por mais que os poderosos venham nos
oprimir e tentar amedrontar, só unidos poderemos chegar às vitórias. Volto a
dizer: foi uma surpresa muito grande. Eu mesmo não esperava tanto. Quando vi
6 mil garis ali na Presidente Vargas cheguei a me emocionar. Porque nós
conseguimos mudar a história da Comlurb. Muitos diziam que não iríamos
conseguir e nada mudaria na Comlurb. O recado que quero deixar pra todos é
que tudo pode mudar, basta querermos e termos perseverança.
Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
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(FONTE:http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9423:manchete140814&catid=72:imagens-rolantes)
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