O golpe e a construção da dependência financeira brasileira
Rádio Piratininga
"A ditadura
serviu para garantir a expansão da industrialização pesada dinamizada pelo
capital internacional em proveito dos diferenciais do mercado interno,
estabelecidos pela elevada concentração de renda que garantia a valorização à
custa da superexploração do trabalho", avalia Fábio de Campos
01/04/2014
Do IHU On-line
Passados 50
anos do golpe militar que depôs o ex-presidente João Goulart, na madrugada do
dia 1º de abril de 1964, pesquisadores de diferentes áreas do
conhecimento tentam compreender quais razões fizeram com que a ditadura se
mantivesse por mais de 20 anos no país. A economia, nesse sentido, "é
fundamental para entender o alcance e os limites da ditadura como instrumento
do capitalismo brasileiro", diz, à IHU On-Line, o economista Fábio de Campos,
autor da tese de doutorado A arte da
conquista: o capital internacional no desenvolvimento capitalista brasileiro
(1951-1992).
Na entrevista
a seguir, concedida por e-mail, o professor do Instituto de Economia da Unicamp
assinala que as multinacionais que atuavam no Brasil à época apoiaram e
financiaram o golpe, porque ele era "extremamente necessário para dar
continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o
mercado interno brasileiro". Segundo ele, a ditadura "permitiu a
conexão dos interesses de valorização das filiais estrangeiras com o sistema
financeiro internacional. A reforma da legislação, além de retirar do marco
institucional as medidas que impediam as remessas ao exterior a partir de
reinvestimentos de lucro, criou novos instrumentos que liberalizavam o acesso
da filial estrangeira ao endividamento externo".
Campos
esclarece que a Lei de Remessas de Lucro, como outras propostas do
ex-presidente Jango, entre elas a estatização do setor energético e a
negociação da dívida externa, bem como "qualquer política que fosse um
pouco mais discricionária em relação à entrada e saída de capitais estrangeiros
(investimentos, empréstimos, remessas, repatriações, juros, transferências
diversas), afetava a valorização capitalista que sustentava os interesses do
complexo multinacional".
Crítico das
interpretações de que a ditadura gerou o "milagre econômico" para o
Brasil, Campos frisa que o "capital internacional, ao mesmo tempo que
permitiu o avanço da industrialização brasileira, constituindo-se no eixo
dinâmico dessa expansão, selou a aliança imperialista entre as burguesias
internacionais com suas correspondentes nativas que sempre se subordinaram a
essa articulação. Longe de isso criar as condições para autodeterminação do
desenvolvimento nacional, acabou por sacramentar nossa dependência externa e
subdesenvolvimento". Essa aliança tem reflexos ainda hoje e pode ser
percebida no processo de desindustrialização e primarização da economia
nacional.
Fábio Antonio
de Campos é graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho, mestre em História Econômica e doutor em
Desenvolvimento Econômico pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp.
Hoje
continua, no Instituto Humanitas Unisinos - IHU, a programação do Ciclo de
Estudos "50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processos.
CONFIRA A ENTREVISTA.
CONFIRA A ENTREVISTA.
IHU On-Line - Quantas multinacionais havia no
Brasil antes do golpe de 64 e como elas atuavam?
Fábio Antonio de Campos - A presença de empresas multinacionais na economia brasileira data
desde os tempos do Império, quando se fixaram nas áreas de utilidade pública,
transporte, finanças, infraestrutura e atividades ligadas à economia cafeeira.
No decorrer da primeira metade do século XX, novos investimentos estrangeiros
se destinaram aos setores energético, primários, de comunicações e de
representação comercial de indústrias manufatureiras. Mas foi na segunda metade
dos anos 1950 que tivemos um marco decisivo na internacionalização brasileira,
quando as empresas estrangeiras chegavam ao país para conquistar o mercado
interno e, com isso, se constituir estrategicamente nos setores de bens de
capital e de consumo duráveis, os mais dinâmicos na implantação e
desenvolvimento da indústria pesada brasileira. A origem desse capital foi
norte-americana e europeia, e os principais investimentos se destinaram aos
setores de transporte, química, metal-mecânica, materiais elétricos, seguidos
pelos setores de consultorias, comércio e farmacêuticos.
Mais que uma questão quantitativa que permitiu a economia brasileira crescer a um ritmo de "50 anos em 5", em Juscelino Kubitschek - JK, e depois intensamente na ditadura militar, o que se consolidou nessa época com o capital internacional foi um novo nexo imperialista que articulou de forma subordinada o Estado brasileiro e os sócios privados internos à estratégia de conquista das grandes corporações. Nesse momento de Guerra Fria, tal articulação era extremamente necessária para dirimir os riscos de valorização capitalista diante da ameaça soviética em espaços periféricos como a América Latina. Junto com a internacionalização produtiva dessa fase que alavancava a industrialização brasileira, estava internalizando também um modo de vida genuinamente fordista e funcional à dominação imperialista. Uma questão complexa, portanto, que ultrapassa em muito a linha de argumentação economicista do período.
Mais que uma questão quantitativa que permitiu a economia brasileira crescer a um ritmo de "50 anos em 5", em Juscelino Kubitschek - JK, e depois intensamente na ditadura militar, o que se consolidou nessa época com o capital internacional foi um novo nexo imperialista que articulou de forma subordinada o Estado brasileiro e os sócios privados internos à estratégia de conquista das grandes corporações. Nesse momento de Guerra Fria, tal articulação era extremamente necessária para dirimir os riscos de valorização capitalista diante da ameaça soviética em espaços periféricos como a América Latina. Junto com a internacionalização produtiva dessa fase que alavancava a industrialização brasileira, estava internalizando também um modo de vida genuinamente fordista e funcional à dominação imperialista. Uma questão complexa, portanto, que ultrapassa em muito a linha de argumentação economicista do período.
IHU On-Line - O então presidente João Goulart tinha alguma proposta em relação à atuação das empresas multinacionais no Brasil?
Fábio Antonio de Campos - João Goulart sempre foi cauteloso nessa matéria porque sabia que qualquer intervenção mais nacionalista intensificava as contradições seculares de nossa dependência externa. No entanto, estas nasceram da nossa formação histórica, convertendo em antagonismos abertos que necessitavam ser enfrentados dentro do contexto da "revolução brasileira". Demandas históricas de controle ao capital internacional passaram a serbandeiras de sindicados, movimentos sociais organizados, intelectuais, estudantes e os partidos progressistas. A pressão nacional-popular cresceu tanto que a "Lei de Remessas de Lucro" foi aprovada no Congresso em 1962, sendo que Goulart só a sancionou em janeiro de 1964, já na antessala do Golpe. Portanto, a iniciativa de controlar o capital internacional foi resultado de uma conscientização popular que vinha de longo prazo. Tal como a campanha do "Petróleo é Nosso", Goulart seria pressionado pela movimentação popular.
Em
contrapartida, isso aumentaria a apreensão do Governo norte-americano, das
empresas multinacionais aqui instaladas e dos setores estatais e de empresas
privadas nacionais que formavam uma associação de interesses que tinha na
dependência externa a realização de seus negócios. Como observo em minha tese
de doutorado, a história se acelerou naquela quadra, e as condições para uma
revolução brasileira emergiram dentro da polarização entre um "complexo
multinacional" versus forças nacional-populares.
IHU On-Line - Qual foi a relação das empresas multinacionais com o golpe de 1964? Quais empresas financiaram o golpe?
Fábio Antonio de Campos - A relação mais evidente foi o financiamento do IPES [instituto de
Pesquisas e Estudos Sociais] e IBAD [Instituto Brasileiro de Ação Democrática]
- que eram órgãos de conexão política do Governo norte-americano -, empresas
multinacionais e as burguesias brasileiras. Buscavam na verdade intervir por
meio da conspiração contra os interesses que colocariam em risco a valorização
capitalista desse complexo multinacional. Os trabalhos de Dreifussapresentam de
forma pioneira os atores que financiaram tais órgãos. No entanto, é necessária
uma mediação mais profunda para entender o estágio de desenvolvimento
capitalista brasileiro conectado com a fase imperialista do pós-IIGM - II Guerra
Mundial. Diante da conjuntura da Guerra Fria, a viabilidade da realização dos
investimentos estrangeiros mediante a conquista do mercado interno exigia
parcerias nacionais sólidas, de modo a sancionar uma política econômica
favorável à mobilidade do capital internacional, principalmente para realizar
seus lucros extraídos com exploração do trabalho brasileiro em moeda de origem
(divisas fortes). Essa valorização externa, geralmente em dólares, alavancava
negócios internos dentro de um poderoso arco de alianças.
IHU On-Line - Qual era o interesse dessas empresas em que houvesse um golpe militar no Brasil?
Fábio Antonio de Campos - Qualquer política que fosse um pouco mais discricionária em relação à
entrada e saída de capitais estrangeiros (investimentos, empréstimos, remessas,
repatriações, juros, transferências diversas) afetava a valorização capitalista
que sustentava os interesses do complexo multinacional. O capitalismo
dependente brasileiro, quando passou a ser questionado por forças populares,
cujas classes subalternas passaram a ter alguma voz, dilatando de forma inédita
a democracia que sempre fora restrita e dominada por uma burguesia
ultraelitista, fez com que o risco dos negócios aumentasse. Do ponto de vista
concreto, é possível observar na "Lei de Remessas de Lucro", ao lado
de outras questões importantes como a estatização do setor energético e a
negociação da dívida externa, como se manifestava essa correlação de forças.
Dentre várias atribuições, a lei propunha criar um código inédito de seleção de investimentos e uma sistemática regulação das remessas de lucros, royalties, transferências tecnológicas, juros, etc. Em seu dispositivo mais polêmico estava o limite de remessas de lucro em 10% apenas do capital inicial, ou seja, só podia remeter a partir do que de fato entrou, e não de uma base maior em que se adicionavam os reinvestimentos de lucro. Sem falar que, em caso de crise cambial, previa-se paralisação das remessas e outras medidas de controle na conta capital e de serviços do balanço de pagamentos. Na história econômica brasileira, toda vez que se tentou algo semelhante, como durante o período Vargas, por exemplo, tais medidas não duraram mais do que um ano. Essa legislação, a despeito de seu elevado grau de tecnicidades, que atrapalham a compreensão, revela o sentido político dos poderes do capital internacional que estão em jogo, e também como eles se articulavam para obstruir qualquer instrumento que inviabilizasse seus interesses. A partir do momento que no terreno da democracia esses interesses foram sendo vencidos, como no caso da aprovação da Lei de Remessas de Lucro em 1962, a conspiração e o Golpe seriam extremamente necessários para dar continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o mercado interno brasileiro.
Dentre várias atribuições, a lei propunha criar um código inédito de seleção de investimentos e uma sistemática regulação das remessas de lucros, royalties, transferências tecnológicas, juros, etc. Em seu dispositivo mais polêmico estava o limite de remessas de lucro em 10% apenas do capital inicial, ou seja, só podia remeter a partir do que de fato entrou, e não de uma base maior em que se adicionavam os reinvestimentos de lucro. Sem falar que, em caso de crise cambial, previa-se paralisação das remessas e outras medidas de controle na conta capital e de serviços do balanço de pagamentos. Na história econômica brasileira, toda vez que se tentou algo semelhante, como durante o período Vargas, por exemplo, tais medidas não duraram mais do que um ano. Essa legislação, a despeito de seu elevado grau de tecnicidades, que atrapalham a compreensão, revela o sentido político dos poderes do capital internacional que estão em jogo, e também como eles se articulavam para obstruir qualquer instrumento que inviabilizasse seus interesses. A partir do momento que no terreno da democracia esses interesses foram sendo vencidos, como no caso da aprovação da Lei de Remessas de Lucro em 1962, a conspiração e o Golpe seriam extremamente necessários para dar continuidade à valorização capitalista das empresas multinacionais com o mercado interno brasileiro.
IHU On-Line - Qual foi a política econômica implementada durante o golpe militar? O que mudou em relação à política econômica anterior?
Fábio Antonio de Campos - O Programa de Ação Econômica do Governo - PAEG e as reformas financeiras que nasceram logo após o Golpe foram mudanças essenciais. Isso porque de um lado as políticas de oferta ampliaram as condições para o financiamento da economia, sendo que as políticas de demanda criaram, por outro lado, uma intensa restrição via cortes de gasto público e arrocho salarial que penalizou boa parte das forças populares que estavam lutando contra o complexo multinacional antes de 1964. Essa política econômica, ao mesmo tempo que criava as condições para aprofundar a desigualdade social brasileira, restabelecia, por meio do financiamento às grandes empresas e às famílias da classe média alta para cima, as condições vitais para o crescimento econômico a partir de uma estrutura industrial montada na época de Kubitschek. Tais medidas que aprofundaram nosso subdesenvolvimento só tiveram êxito porque, com o Golpe de 1964 e a ditadura, o nexo imperialista foi renovado. Além de destituir da Lei de Remessas de Lucro seus dispositivos mais discricionários em relação ao capital internacional, já em agosto de 1964 (Lei 4.390), foram criadas novas medidas que facilitariam o acesso ao mercado internacional de crédito.
IHU On-Line - Como, depois do golpe, a política econômica beneficiou as multinacionais?
Fábio Antonio de Campos - Além da política econômica mais geral que beneficiava tanto as
condições de financiamento da empresa multinacional quanto restabelecia a
potencialidade do mercado interno por meio de incentivo ao consumo das classes
altas, a ditadura permitiu a conexão dos interesses de valorização das filiais
estrangeiras com o sistema financeiro internacional. A reforma da legislação,
além de retirar do marco institucional as medidas que impediam as remessas ao
exterior a partir de reinvestimentos de lucro, criou novos instrumentos que
liberalizavam o acesso da filial estrangeira ao endividamento externo. Na
medida em que as matrizes intermediavam no Euromercado esses empréstimos para
suas filiais no Brasil, tornavam-se suas credoras, e todo pagamento pelo
serviço dessa dívida poderia ser superfaturado remetendo lucros disfarçados em
juros. Essa foi uma nova fase do endividamento externo brasileiro, cujas
empresas multinacionais foram agentes fundamentais desse processo. Essa
liquidez internacional foi drenada pelo complexo multinacional no final dos
anos 1960, internalizando crédito externo bem acima das necessidades de
financiamento industrial para importação de bens de capital. Desse modo, o
endividamento externo assumiu um caráter eminentemente financeiro, haja vista
que as reservas cambiais que iam se avolumando deveriam ser esterilizadas por
meio de emissão de títulos da dívida pública ante o impacto inflacionário que
isso causava na economia.
A oferta de
títulos públicos com taxas de juros cada vez mais convidativas para o mercado
criava um negócio interno extremante lucrativo para o complexo multinacional,
originando no futuro a "ciranda financeira". Assim, a corporação
multinacional ganhava tanto no Euromercado, permitindo que suas filiais se
endividassem para remeter lucros disfarçados, como credoras internamente, ao
lado do grande capital privado nacional, na rolagem de títulos da dívida
pública. A chamada modernização do sistema financeiro pela ditadura garantiu
essa facilidade, dentre outras, para o complexo multinacional.
IHU On-Line - A política econômica do período do golpe favoreceu os brasileiros?
Fábio Antonio de Campos - A política econômica pós-Golpe favoreceu a minoria da população brasileira, isto é, os brasileiros da classe média alta para cima. A burguesia e seus aliados usufruíram de novas fronteiras de investimentos e de variados negócios que nasceram nesse período.
IHU On-Line - De que maneira o capital internacional influenciou na formação econômica do Brasil? Qual foi a relação do capital internacional com o desenvolvimento capitalista brasileiro entre 1951 e 1992?
Fábio Antonio de Campos - Ao conquistar o mercado interno brasileiro, impondo o ritmo e o compasso da implantação e desenvolvimento das forças produtivas, o capital internacional, ao mesmo tempo que permitiu o avanço da industrialização brasileira, constituindo-se no eixo dinâmico dessa expansão, selou a aliança imperialista entre as burguesias internacionais com suas correspondentes nativas que sempre se subordinaram a essa articulação. Longe de isso criar as condições para autodeterminação do desenvolvimento nacional, acabou por sacramentar nossa dependência externa e subdesenvolvimento. Se antes essa articulação permitia um certo desenvolvimento capitalista, em função de que os investimentos se orientavam por um regime central de acumulação, cuja necessidade era de integrar o mercado interno por rígidas fronteiras adensando as cadeias produtivas, hoje, com a mundialização financeira, a articulação deve ser global.
O Brasil como
o elo fraco no modo de produção capitalista, deve se adaptar apresentando uma
política econômica liberal que garanta a mobilidade do capital internacional e,
com isso, sofrer desnacionalização, privatização, desindustrialização e
primarização da economia. A despeito das particularidades da época neoliberal
que vivemos, a continuidade dessa dependência foi resultado de um processo
histórico que só a partir do período colonial podemos entender em sua totalidade.
IHU On-Line - Qual era a situação econômica do Brasil no período
pós-golpe? Alguns especialistas comentam que o Brasil viveu uma situação de
milagre econômico durante a Ditadura, mas, com a reabertura, constatou-se que o
déficit externo era altíssimo.
Fábio Antonio de Campos - A economia é fundamental para
entender o alcance e os limites da ditadura como instrumento do capitalismo
brasileiro. A ditadura serviu para garantir a expansão do desenvolvimento
capitalista brasileiro definido a partir de JK, ou seja, a industrialização
pesada dinamizada pelo capital internacional em proveito dos diferenciais do
mercado interno, estabelecidos pela elevada concentração de renda que garantia
a valorização à custa da superexploração do trabalho. À medida que se avançava
na industrialização intensificando a dependência externa e o
subdesenvolvimento, os limites estruturais que se impunham (financiamento e
liberalização cambial), exigiam reformas institucionais que aperfeiçoassem o
modelo econômico funcional ao complexo multinacional.
O Golpe de 1964 e a ditadura tiveram essa função, ou seja, viabilizar um tipo de indústria que recolocava nossos dilemas de formação histórica numa situação ainda mais dramática. Os problemas que surgem desse período, como desaceleração do crescimento, redução na taxa de investimento, aumento da desigualdade, desemprego e estatização da dívida externa só podem ser compreendidos dentro da "contrarrevolução brasileira". Na essência, ela significou o divórcio dos meios estruturais que tinham, na utopia de desenvolvimento nacional, os fins. O antagonismo que se abriu nos anos 1950, acirrando em forma de inúmeros conflitos e lutas na segunda metade dos anos 1960, foi enfrentado com uma rota desenvolvimentista antinacional, antidemocrática e antissocial.
Enquanto a ditadura serviu para viabilizar os interesses do complexo multinacional, que, aliás, tinham na industrialização seu eixo de valorização capitalista, ela cumpriu seu papel, mas quando a própria articulação imperialista entre a economia brasileira e o padrão mundial de acumulação teve que ser realinhada em favor do capital internacional, ela perdeu sua função.
O Golpe de 1964 e a ditadura tiveram essa função, ou seja, viabilizar um tipo de indústria que recolocava nossos dilemas de formação histórica numa situação ainda mais dramática. Os problemas que surgem desse período, como desaceleração do crescimento, redução na taxa de investimento, aumento da desigualdade, desemprego e estatização da dívida externa só podem ser compreendidos dentro da "contrarrevolução brasileira". Na essência, ela significou o divórcio dos meios estruturais que tinham, na utopia de desenvolvimento nacional, os fins. O antagonismo que se abriu nos anos 1950, acirrando em forma de inúmeros conflitos e lutas na segunda metade dos anos 1960, foi enfrentado com uma rota desenvolvimentista antinacional, antidemocrática e antissocial.
Enquanto a ditadura serviu para viabilizar os interesses do complexo multinacional, que, aliás, tinham na industrialização seu eixo de valorização capitalista, ela cumpriu seu papel, mas quando a própria articulação imperialista entre a economia brasileira e o padrão mundial de acumulação teve que ser realinhada em favor do capital internacional, ela perdeu sua função.
IHU On-Line - Ainda hoje o capital internacional
exerce influência no desenvolvimento capitalista brasileiro? Em que medida? O
que diferencia o período analisado com os dias de hoje?
Fábio Antonio de Campos - O Estado, na ditadura, foi instrumentalizado para atender os fins do
capital internacional e seus sócios internos em um determinado padrão mundial
de acumulação, e era assim que sua face intervencionista se ajustava às
necessidades impostas pelas classes dominantes. Seu raio de manobra foi
delimitado por essa dimensão, permitindo apresentar certa legitimidade por meio
da ideologia desenvolvimentista, um aparente nacionalismo e o crescimento econômico
puxado pela indústria.
Hoje, a
intervenção estatal é para garantir a viabilidade dos negócios externos e
internos que compõem outro arco de interesses do complexo multinacional, sob
uma ideologia neoliberal, cujo aumento do poder do capital internacional na
economia brasileira sanciona tanto a secular dependência externa quanto o
subdesenvolvimento.
IHU On-Line - Deseja acrescentar algo?
Fábio Antonio de Campos - Apenas convidar os leitores para que revisitem a formação econômica
brasileira, relendo autores brasileiros clássicos, de modo a extraírem as
determinações profundas do significado do capital internacional em nossa
história. Naquele difícil contexto do pré-Golpe, o pensamento social brasileiro
estava armado para discutir essas questões com enorme fôlego. Atualmente,
diante de uma crise estrutural que enfrentamos no capitalismo, se faz urgente
estudar nossas particularidades históricas e a posição periférica que o país
ocupa em um mundo cujas corporações multinacionais dominam a reprodução
material e cultural da sociedade contemporânea.
FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/27973
Ótimo texto professor.
ResponderExcluirTambém tenho um texto cujo título é
"Fariseus da Ditadura."
Bom dia!