“Queremos
justiça ou vingança?”
O debate
sobre a redução da maioridade penal é muito complexo. Não porque seja difícil
defender a inconsequência e a ineficácia da medida enquanto solução para os
problemas da violência e criminalidade. Mas, principalmente, por ter de
enfrentar um imaginário retroalimentado pela grande mídia o tempo todo e
há muitos anos, que reafirma: há pessoas que colocam a sociedade em
risco. Precisamos nos ver livres delas. Se possível, matá-las. Ou ao menos
prendê-las, quanto mais e quanto antes.
Em sala
de aula, ver adolescentes defendendo a prisão e a morte para seus iguais dói.
Mas é possível reverter esse pensamento. “Queremos justiça ou
vingança?”, é a pergunta que mais gosto de fazer. (Do
Movimento 18 razões)
1°.
PORQUE JÁ RESPONSABILIZAMOS ADOLESCENTES EM ATO INFRACIONAL.
A partir
dos 12 anos, qualquer adolescente é responsabilizado pelo ato cometido contra a
lei. Essa responsabilização, executada por meio de medidas socioeducativas
previstas no ECA, tem o objetivo de ajudá-lo a recomeçar e a prepará-lo para
uma vida adulta de acordo com o socialmente estabelecido. É parte do seu
processo de aprendizagem que ele não volte a repetir o ato infracional.
Por isso,
não devemos confundir impunidade com imputabilidade.
A imputabilidade, segundo o Código Penal, é a capacidade da pessoa entender que
o fato é ilícito e agir de acordo com esse entendimento, fundamentado em sua
maturidade psíquica.
2°.
PORQUE A LEI JÁ EXISTE, RESTA SER CUMPRIDA.
O ECA
prevê seis medidas educativas: advertência, obrigação de reparar o dano,
prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e
internação. Recomenda que a medida seja aplicada de acordo com a capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias do fato e a gravidade da infração.
Muitos
adolescentes, que são privados de sua liberdade, não ficam em instituições
preparadas para sua reeducação, reproduzindo o ambiente de uma prisão comum. E
mais: o adolescente pode ficar até 9 anos em medidas socioeducativas, sendo
três anos interno, três em semiliberdade e três em liberdade assistida, com o
Estado acompanhando e ajudando a se reinserir na sociedade.
3°.
PORQUE O ÍNDICE DE REINCIDÊNCIA NAS PRISÕES É DE 70%.
Não há
dados que comprovem que o rebaixamento da idade penal reduz os índices de
criminalidade juvenil. Ao contrário, o ingresso antecipado no falido sistema
penal brasileiro expõe as(os) adolescentes a mecanismos/comportamentos
reprodutores da violência, como o aumento das chances de reincidência, uma vez
que as taxas nas penitenciárias são de 70%, enquanto no sistema socioeducativo
estão abaixo de 20%.
A
violência não será solucionada com a culpabilização e punição, mas pela ação da
sociedade e governos nas instâncias psíquicas, sociais, políticas e econômicas
que as reproduzem. Agir punindo e sem se preocupar em discutir quais os reais
motivos que reproduzem e mantém a violência, só gera mais violência.
4°.
PORQUE O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO NÃO SUPORTA MAIS PESSOAS.
O Brasil
tem a 4° maior população carcerária do mundo e um sistema prisional superlotado
com 563.526 presos. Só fica atrás em número de presos para os Estados
Unidos (2,2 milhões), China (1,6 milhões) e Rússia (740 mil).
O sistema
penitenciário brasileiro NÃO tem cumprido sua função social de controle,
reinserção e reeducação dos agentes da violência. Ao contrário, tem demonstrado
ser uma “escola do crime”.
Portanto,
nenhum tipo de experiência na cadeia pode contribuir com o processo de
reeducação e reintegração dos jovens na sociedade.
5°.
PORQUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL NÃO REDUZ A VIOLÊNCIA.
Muitos
estudos no campo da criminologia e das ciências sociais têm demonstrado que NÃO
HÁ RELAÇÃO direta de causalidade entre a adoção de soluções punitivas e
repressivas e a diminuição dos índices de violência.
No
sentido contrário, no entanto, se observa que são as políticas e ações de
natureza social que desempenham um papel importante na redução das taxas de
criminalidade.
Dados do
UNICEF revelam a experiência mal sucedida dos EUA. O país, que assinou a
Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aplicou em seus
adolescentes, penas previstas para os adultos. Os jovens que cumpriram pena em
penitenciárias voltaram a delinquir e de forma mais violenta. O resultado
concreto para a sociedade foi o agravamento da violência.
6°.
PORQUE FIXAR A MAIORIDADE PENAL EM 18 ANOS É TENDÊNCIA MUNDIAL.
Diferentemente
do que alguns jornais, revistas ou veículos de comunicação em geral têm
divulgado, a idade de responsabilidade penal no Brasil não se encontra em
desequilíbrio se comparada à maioria dos países do mundo.
De uma
lista de 54 países analisados, a maioria deles adota a idade de
responsabilidade penal absoluta aos 18 anos de idade, como é o caso brasileiro.
Essa
fixação majoritária decorre das recomendações internacionais que sugerem a
existência de um sistema de justiça especializado para julgar, processar e
responsabilizar autores de delitos abaixo dos 18 anos.
7°.
PORQUE AS LEIS NÃO PODEM SE PAUTAR NA EXCEÇÃO.
Até junho
de 2011, o Cadastro Nacional de Adolescentes em Conflito com a Lei (CNACL), do
Conselho Nacional de Justiça, registrou ocorrências de mais de 90 mil
adolescentes. Desses, cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O
número, embora seja considerável, corresponde a 0,5% da
população jovem do Brasil, que conta com 21 milhões de meninos e meninas entre
12 e 18 anos.
8°.
PORQUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL É TRATAR O EFEITO, NÃO A CAUSA.
A
constituição brasileira assegura nos artigos 5º e 6º direitos fundamentais como
educação, saúde, moradia, etc. Com muitos desses direitos negados, a
probabilidade do envolvimento com o crime aumenta, sobretudo entre os
jovens.
O
adolescente marginalizado não surge ao acaso. Ele é fruto de um estado de
injustiça social que gera e agrava a pobreza em que sobrevive grande parte da
população.
A
marginalidade torna-se uma prática moldada pelas condições sociais e históricas
em que os homens vivem. O adolescente em conflito com a lei é considerado um
‘sintoma’ social, utilizado como uma forma de eximir a responsabilidade que a
sociedade tem nessa construção.
Reduzir a
maioridade é transferir o problema. Para o Estado é mais fácil prender do que
educar.
9°.
PORQUE EDUCAR É MELHOR E MAIS EFICIENTE DO QUE PUNIR.
A
educação é fundamental para qualquer indivíduo se tornar um cidadão, mas é
realidade que no Brasil muitos jovens pobres são excluídos deste processo.
Puni-los com o encarceramento é tirar a chance de se tornarem cidadãos
conscientes de direitos e deveres, é assumir a própria incompetência do Estado
em lhes assegurar esse direito básico que é a educação.
As causas
da violência e da desigualdade social não se resolverão com adoção de leis
penais mais severas. O processo exige que sejam tomadas medidas capazes de
romper com a banalização da violência e seu ciclo. Ações no campo da educação,
por exemplo, demonstram-se positivas na diminuição da vulnerabilidade de
centenas de adolescentes ao crime e à violência.
Precisamos
valorizar o jovem, considerá-los como parceiros na caminhada para a construção
de uma sociedade melhor. E não como os vilões que estão colocando toda uma
nação em risco.
10°.
PORQUE REDUZIR A MAIORIDADE PENAL ISENTA O ESTADO DO COMPROMISSO COM A
JUVENTUDE.
O Brasil
não aplicou as políticas necessárias para garantir às crianças, aos
adolescentes e jovens o pleno exercício de seus direitos e isso ajudou em muito
a aumentar os índices de criminalidade da juventude.
O que
estamos vendo é uma mudança de um tipo de Estado que deveria garantir direitos
para um tipo de Estado Penal que administra a panela de pressão de uma
sociedade tão desigual. Deve-se mencionar ainda a ineficiência do Estado para
emplacar programas de prevenção da criminalidade e de assistência social
eficazes, junto às comunidades mais pobres, além da deficiência generalizada em
nosso sistema educacional.
11°.
PORQUE OS ADOLESCENTES SÃO AS MAIORES VÍTIMAS, E NÃO OS PRINCIPAIS AUTORES DA
VIOLÊNCIA.
Até junho
de 2011, cerca de 90 mil adolescentes cometeram atos infracionais. Destes,
cerca de 30 mil cumprem medidas socioeducativas. O número, embora considerável,
corresponde a 0,5% da população jovem do Brasil que conta com 21 milhões de
meninos e meninas entre 12 e 18 anos.
Os
homicídios de crianças e adolescentes brasileiros cresceram vertiginosamente
nas últimas décadas: 346% entre 1980 e 2010. De 1981 a 2010, mais de 176 mil
foram mortos e só em 2010, o número foi de 8.686 crianças e adolescentes
assassinadas, ou seja, 24 POR DIA!
A
Organização Mundial de Saúde diz que o Brasil ocupa a 4° posição
entre 92 países do mundo analisados em pesquisa. Aqui são
13 homicídios para cada 100 mil crianças e adolescentes; de 50 a 150
vezes maior que países como Inglaterra, Portugal, Espanha, Irlanda,
Itália, Egito cujas taxas mal chegam a 0,2 homicídios para a mesma quantidade
de crianças e adolescentes.
12°.
PORQUE PODER VOTAR NÃO TEM A VER COM SER PRESO COM ADULTOS.
O voto
aos 16 anos é opcional e não obrigatório, direito adquirido pela juventude. O
voto não é para a vida toda, e caso o adolescente se arrependa ou se decepcione
com sua escolha, ele pode corrigir seu voto nas eleições seguintes. Ele pode
votar aos 16, mas não pode ser votado.
Nesta
idade ele tem maturidade sim para votar, compreender e responsabilizar-se por
um ato infracional.
Em nosso
país qualquer adolescente, a partir dos 12 anos, pode ser responsabilizado pelo
cometimento de um ato contra a lei.
O
tratamento é diferenciado não porque o adolescente não sabe o que está fazendo.
Mas pela sua condição especial de pessoa em desenvolvimento e, neste sentido, o
objetivo da medida socioeducativa não é fazê-lo sofrer pelos erros que cometeu,
e sim prepará-lo para uma vida adulta e ajuda-lo a recomeçar.
13°.
PORQUE O BRASIL ESTÁ DENTRO DOS PADRÕES INTERNACIONAIS.
São
minoria os países que definem o adulto como pessoa menor de 18 anos. Das 57
legislações analisadas pela ONU, 17% adotam idade menor do que 18 anos como
critério para a definição legal de adulto.
Alemanha
e Espanha elevaram recentemente para 18 a idade penal e a primeira criou ainda
um sistema especial para julgar os jovens na faixa de 18 a 21 anos.
Tomando
55 países de pesquisa da ONU, na média os jovens representam 11,6% do total de
infratores, enquanto no Brasil está em torno de 10%. Portanto, o país está
dentro dos padrões internacionais e abaixo mesmo do que se deveria esperar. No
Japão, eles representam 42,6% e ainda assim a idade penal no país é de 20 anos.
Se o
Brasil chama a atenção por algum motivo é pela enorme proporção de jovens
vítimas de crimes e não pela de infratores.
(FONTE:http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2015/03/30/18-razoes-para-nao-reduzir-a-maioridade-penal/).
muito bom...como todos teus textos que li, sempre contundente e de fácil compreensão....do gostaria de saber onde posso acessar estas fonte sobre dados estatísticos dos atos infracionais...que não consegui achar....grande abraço!!
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