por Adriano Benayon
1. Foi muito divulgada esta asserção do professor Wanderley Guilherme
dos Santos: "Depois de criado, o Estado liberal transforma-se no
Estado em que a hegemonia burguesa não é seriamente desafiada. Trata-se de um
Estado cuja intervenção em assuntos sociais e econômicos tem por fim garantir
a operação do mercado como o mais importante mecanismo de extração e alocação
de valores e bens".
2. Esse cientista político destaca a óbvia natureza intervencionista
(não admitida) do Estado dito liberal, sem, porém, propor uma denominação que
saia dessa contradição em termos.
3. De resto, os muitos que repetem o termo (neo)liberal, mesmo sabendo-o
falso, colaboram com a enganosa comunicação social do capitalismo.
4. O mesmo cientista afirma: “O Estado liberal não é de modo
algum um Estado não intervencionista. Muito pelo contrário,
o Estado liberal está sempre intervindo, a fim de afastar qualquer obstáculo ao
funcionamento 'natural' e 'automático' do mercado".
5. Aí está um engano sério. O mercado, nas mãos dos oligopólios
e carteis, não funciona natural nem automaticamente: ele é controlado e
manipulado por eles, e lhes serve de álibi, ao usarem o termo impessoal“mercado”
em relação a ações praticadas por pessoas físicas, a serviço de grupos
concentradores de poder econômico e financeiro.
6. Isso é exatamente o contrário do funcionamento 'natural' e
'automático' do mercado e também do que teorizaram os clássicos da economia
sobre mercados livres, com participantes igualmente submetidos à concorrência.
Na realidade, a intervenção do Estado capitalista:
1. afasta a aplicação
dos mecanismos de defesa econômica do Estado, coibidora dos abusos praticados
pelos concentradores;
2. promove o aumento
da concentração do poder da oligarquia financeira, através de subsídios
governamentais e das políticas fiscal e monetária, entre outras.
7. Portanto, capitalismo é o sistema político e econômico que
não admite restrições à concentração dos meios de produção e financeiros,
ademais de a fomentar, nas mãos da oligarquia, por menor que seja o número das
pessoas que a compõem.
8. Nos países centrais ou imperiais, o Estado liderou o desenvolvimento
econômico e nunca abandonou o fomento ao setor privado. À medida que este
ganhou corpo, o Estado passou a apresentar-se como liberal, a
fazer concessões no campo social e a adotar, na política, formas exteriormente
democráticas.
9. Nos períodos de crescimento e bem mais nos de crises, a
concentração foi crescendo, e regrediram os avanços, surgindo o fascismo (antes
da Segunda Guerra Mundial). E o fascismo não declarado, como nos EUA, desde
antes do inside job de setembro de 2001 (destruição das Torres
Gêmeas e míssil lançado no Pentágono).
10. A concentração do poder financeiro mundial alcançou o incrível
grau presente (147 corporações transnacionais, vinculadas a apenas 50 grupos
financeiros, detendo mais de 40% da riqueza mundial).
11. Isso foi se intensificando por mais de 100 anos após os
concentradores terem se tornado bastante fortes, para que o Estado
capitalista os protegesse adicionalmente. Os setores mais aquinhoados foram o
das armas e a finança.
12. O grande impulso recente deu-se através da financeirização da
economia, abusando os bancos dos privilégios de criar moeda e títulos de toda
sorte. Seus acionistas e executivos locupletaram-se assim, beneficiados pela
desregulamentação dos mercados financeiros, a qual lhes proporcionou abusar da
alavancagem e de fraudes diversas.
13. Ilustrativa da subordinação do Estado capitalista, falsamente dito
liberal, à oligarquia financeira foi a resposta ao colapso financeiro de
2007/2008, provendo mais de 20 trilhões de dólares em ajuda aos banqueiros delinquentes,
ao invés de realizar as correções estruturais necessárias ao bem da economia e
da justiça.
14. De há muito, as intervenções imperiais - militares ou não -
recrudescem em todos os continentes, gerando sistemas políticos pró-imperiais e
Estados vassalos, como se tornou o Brasil, à raiz do golpe de Estado de agosto
de 1954, passando a partir das Instruções 113 da SUMOC e seguintes (janeiro de
1955) a subsidiar os investimentos estrangeiros diretos, de modo absurdo.
15. Não há como falar em capitalismo periférico. Há somente indivíduos
riquíssimos originários das periferias, como muitos outros dos países centrais,
subordinados à oligarquia capitalista mundial.
16. À medida que essa oligarquia se foi apropriando, no Brasil, da
estrutura econômica, foi também promovendo sucessivas intervenções e manobras
no campo das instituições políticas que propiciaram intensificar ainda mais
essa apropriação.
17. Temos agora mais uma crise. Nesta, a baixa resiliência – devida à
desindustrialização e à desnacionalização – combina-se com o déficit das
transações correntes exteriores, mais os déficits das contas públicas nos três
níveis da Federação, resultando em grande salto qualitativo para nova
degradação econômica e social.
18. Consideremos as taxas básicas dos juros dos títulos públicos, uma
das mega-fontes de agravamento do caos decorrente do “ajuste” em curso.
19. Nos últimos cinco meses, a taxa SELIC foi elevada várias vezes. Era
11,25%, em novembro de 2014, e chegou a 13,25%, em 30.04.2015, o que significa
taxa efetiva em torno de 16,25% ao ano (a.a.).
20. Em artigo anterior, comparei a aplicação das taxas de 12% a.a. e de
18% a.a., durante 30 anos, sobre o atual montante da dívida mobiliária interna,
de cerca de R$ 3 trilhões: a primeira resultaria em R$ 90 trilhões, e a segunda
em incríveis R$ 430 trilhões, quantia igual ao dobro da soma dos PIBs de todos
os países do mundo.
21. A taxa atual alçaria o estoque da dívida para R$ 274,73 trilhões de
reais.
22. Tal como as letais taxas de juros, as demais políticas do “ajuste”
só podem ter por objetivo concluir a desestruturação (destruição) econômica e
social do país.
23. Em função dos estratosféricos juros da dívida e também da intenção
restritiva do “ajuste”, os investimentos públicos sofrem enormes cortes. Do
mesmo modo, a demolição de direitos sociais, incluindo generalizar a
terceirização, significa extrair sangue de organismos anêmicos.
24. É inútil esperar resultados positivos de tais medidas, porque, na
atual estrutura, dominada pelos carteis transnacionais, e dada a infraestrutura
existente, nenhum “ajuste” levará a diminuir significativamente o “custo
Brasil”, qualquer que seja a taxa de câmbio.
25. Até mesmo as subsidiárias das transnacionais, que poderiam
apresentar custos competitivos, inclusive por não precisarem do crédito local,
absurdamente caro, preferem, em vez disso, auferir lucros fabulosos no país,
reforçados pelos incríveis subsídios que lhes dão a União, Estados e
municípios.
26. Elas remetem esses lucros ao exterior, disfarçados em despesas por
serviços, superfaturamento de importações (dos equipamentos, máquinas e
insumos) e subfaturamento de exportações. Assim, seus custos são forçosamente
altos.
27. Já as empresas de capital nacional vêm sendo alijadas do mercado,
desde 1954. Além de não contarem com as vantagens dos incentivos e subsídios,
que só as transnacionais estão em condições de aproveitar, elas foram
desfavorecidas pelas políticas públicas e deixadas à mercê das práticas
monopolistas dos carteis multinacionais.
28. A política de crédito as afeta de modo especialmente agudo, pois os
juros que despendem são múltiplos da taxa dos títulos públicos. Já as
transnacionais, além de não necessitarem de crédito, bastando-lhes reinvestir
pequena parcela dos lucros, têm acesso a crédito barato no exterior.
29. A partir dos anos 90 e após a devastação produzida pela dívida
externa, passou-se às indecentes privatizações, já que a classe dominante eram
os controladores das transnacionais, cujos governos impõem suas vontades,
diretamente e através de agentes, cooptados e corrompidos.
30. Sob o modelo dependente, o país carece de poder armado e financeiro
para fazer valer seus interesses na esfera mundial, e sua inserção externa é a
pior possível, pois os segmentos de maior valor agregado e maior emprego de
tecnologia são controlados pelos carteis mundiais.
31. A própria infraestrutura, como a dos transportes, inclusive em sua
orientação geográfica, foi desenhada para servir o interesse das corporações
estrangeiras, tal como a escolha dos investimentos, priorizando a extração de
minérios em escalas imensas, com pouco ou nenhum processamento no país.
32. Também na agricultura privilegia-se a grande escala, segundo as
regras dos carteis mundiais do agronegócio e suas tradings, abusando-se dos
agrotóxicos, transgênicos e fertilizantes químicos, para grande dano dos solos
e da saúde pública.
33. Entre os grandes escárnios ilustrativos da submissão do Brasil à
condição de periferia imperial é a Lei Kandir, que isenta de tributos as
exportações primárias. A Inglaterra entendeu, já no Século 13, que era vital
sair dessa condição, quando a lã de seus carneiros ia para as indústrias de
Flandres e da Itália.
Adriano Benayon é doutor em Economia pela Universidade de Hamburgo e
autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.
(FONTE: http://www.correiocidadania.com.br/index.phpoption=com_content&view=article&id=10773:submanchete180515&catid=72:imagens-rolantes).
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