SYRIZA E PODEMOS ESTÃO EM XEQUE
Por Boaventura de Sousa Santos, no site Outras Palavras
sábado, 30 de maio de 2015
Boaventura de Sousa Santos |
Escrevo de Atenas, onde me encontro a convite do
Instituto Nicos Poulantzas para discutir os problemas e desafios que enfrentam
os países do sul da Europa e as possíveis aprendizagens que se podem recolher
de experiências inovadoras tanto na Europa como noutras regiões do mundo.
Convergimos em que o que se vai passar nos próximos dias ou semanas nas
negociações da Grécia com as instituições europeias e o FMI serão decisivas,
não só para o povo grego, como para os povos do sul da Europa e para a Europa
no seu conjunto.
O que está em causa? Defender a dignidade e o mínimo
bem-estar de um povo vítima de uma enorme injustiça histórica e de políticas de
austeridade (para além do mais, mal calibradas) que espalharam morte e
devastação social (bem visíveis nas ruas e nas casas) sem sequer atingir nenhum
dos objetivos com que se procuraram legitimar. Não admira que o primeiro ponto
do programa de Salónica do Syriza seja o alívio imediato da grave crise
humanitária. Com um envolvimento militante que há muito desapareceu dos
cinzentos políticos europeus, a vice-ministra para a solidariedade social,
Theano Fotiou, fala-me do modo como está a ser organizado o resgate dos que
caíram em pobreza extrema (programas de alimentação, eletricidade e tratamento
médico gratuitos), não deixando de salientar a cooperação, de algum modo
surpreendente, que tem tido dos bancos gregos para gerir o sistema de
pagamentos.
Para além das políticas de emergência, o programa do
Syriza, tal como o de Podemos na Espanha, é um programa social-democrático
moderado. Esta é a grande ironia da Europa: os sociais-democratas de ontem são
os liberais de hoje; os revolucionários de ontem são os sociais-democratas de
hoje. As principais linhas vermelhas que Syriza não pode deixar cruzar
referem-se à redução das pensões e ao fim da contratação coletiva. Trata-se dos
dois pilares principais da social-democracia europeia. Ao defendê-los, o Syriza
está a defender o que há de mais luminoso no patrimônio político, social e
cultural da Europa do último meio século. É uma defesa corajosa no processo de
negociação mais assimétrico e desigual da história europeia (e talvez mundial)
recente. Uma defesa que só não será solitária se puder contar com a
solidariedade ativa dos cidadãos europeus para quem o pântano da resignação não
é opção.
O que vem aí? Costumo dizer que os sociólogos são bons em
prever o passado. Mas não é difícil ver nos sinais disponíveis mais razões para
pessimismo do que para otimismo. Surpreendentemente, um desses sinais mais
perturbadores para os gregos é o programa econômico recentemente apresentado
pelo PS português. A radicalidade conservadora de algumas propostas, sobretudo
no domínio das relações laborais e das pensões (mais conservadoras do que as do
partido socialista espanhol e muito semelhantes às do novo partido conservador
espanhol, Ciudadanos), leva a considerar que ele foi elaborado com inside
knowledge, isto é, com conhecimento prévio e privilegiado das decisões, por
enquanto secretas, que os “grandes decisores” europeus já tomaram em relação à
Grécia e aos países do sul da Europa.
Tanto no domínio das pensões (erosão das condições de
sustentabilidade para justificar futuras reduções) como no das relações
laborais (erosão fatal da contratação coletiva), o PS propõe-se uma política
que viola as duas linhas vermelhas principais do Syriza e, que, aplicada entre
nós, porá fim à mitigada social-democracia que conquistamos nos últimos
quarenta anos. Pré-anúncio de que o Syriza vai ser trucidado para servir da
vacina contra o que pode ocorrer na Espanha, na Irlanda, em Portugal e mesmo na
Itália? Não sabemos, mas é legítimo ter uma suspeita e uma certeza.
A suspeita é que os “grandes decisores” visam atingir o
coração do Syriza, fazendo com que parte dos seus apoiantes (sobretudo os que
não dependem de ajuda humanitária) o abandonem, eventualmente com a promessa
ardilosa de que sem o Syriza poderão obter mais benesses europeias do que com
ele. A certeza é que, com a derrota do Syriza, os partidos socialistas que em
tempos optaram pela terceira via saberão em breve que esta via é em verdade um
beco sem saída.
(FONTE: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2015/05/syriza-e-podemos-estao-em-xeque.html).
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