quarta-feira, 20 de maio de 2015

ACOMPANHE UMA SÉRIE DE TEXTOS SOBRE A TERCEIRIZAÇÃO.


TEXTO I
RICARDO ANTUNES: ESPECTROS, FALÁCIAS E FALÉSIAS.
09/11/2013

Um espectro ronda o Brasil: o da terceirização total, não só das atividades-meio, como já existe, mas também das atividades-fim, como propõe o projeto de lei nº 4.330, do deputado Sandro Mabel (PMDB-GO).
Sua justificativa é singela: "A empresa moderna tem de concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de serviço". Mas a propositura é eivada de falácias, como vamos indicar neste espaço.

Primeira falácia: a terceirização cria empregos. Como hoje temos aproximadamente 12 milhões de terceirizados no Brasil, ela cumpriria papel de relevo na ampliação do mercado de trabalho.
Mas esse argumento omite que os terceirizados têm jornada de trabalho em média bem maior do que o conjunto dos assalariados contratados sem tempo determinado.
Assim, o que ocorre é que onde três trabalham com direitos e por tempo não determinado, aproximadamente dois terceirizados acabam por realizar o mesmo trabalho, padecendo de maior intensificação e jornadas mais longevas. Desse modo, em vez de efetivamente empregar, a terceirização desemprega.
Segunda falácia: os terceirizados percebem salários, assim devem agradecer pelo emprego que obtêm.
Mas esse argumento "esquece" que os salários dos terceirizados são bem menores do que os dos demais trabalhadores, especialmente os que estão na base da indústria e dos serviços.
O que as pesquisam mostram, quando realizadas com rigor científico, é que os terceirizados trabalham mais e recebem menos.
Terceira falácia: os terceirizados têm direitos. Esse argumento omite que é exatamente neste âmbito das relações de trabalho que a burla e a fraude se expandem como praga. E quanto mais na base da pirâmide estão os assalariados terceirizados, maiores são as subtrações.
Bastaria dizer que, na Justiça do Trabalho, há incontáveis casos de terceirizados que não conseguem nem sequer localizar a empresa contratante, que não poucas vezes desaparece sem deixar rastro.
Muitos terceirizados estão há anos sem usufruir as férias, pois a contingência e a incerteza avassalam o seu cotidiano.
E, vale lembrar, só uma minoria consegue ir à Justiça do Trabalho, pois o terceirizado não tem nem tempo nem recurso e quase sempre carece do apoio de sindicatos para fazê-lo. E sabemos que, nos serviços, setor no qual se expande celeremente a terceirização, viceja também a ampla informalidade e a alta rotatividade.
Quarta falácia: terceirizar é bom, pois "especializa" e "qualifica" a empresa. Mas seria bom explicar por que essas atividades terceirizadas são as que frequentam com mais constância as listas de acidentes de trabalho. E mais: no serviço público, elas não raro aumentam os custos, sendo fonte inimaginável de corrupção.
Bastaria lembrar as empresas terceirizadas que fazem a coleta do lixo urbano. E a brutalidade sem limites que é ver um trabalhador correr como louco atrás dos caminhões para manter as "metas" e a "produtividade" na coleta privada dos lixos nas cidades.
O essencial que o PL 4.330 tenta esconder, em meio a tantas falácias, é que a terceirização, especialmente para os "de baixo" que não dispõem do capital cultural que sobra aos estratos superiores, têm dois objetivos basais. Primeiro, reduzir salários, diminuindo direitos. Segundo, e não menos importante: fragmentar e desorganizar ainda mais a classe trabalhadora, agora convertida em classe "colaboradora".
Se aprovado esse PL 4.330, ele terá um efeito erosivo ainda maior na nossa já gigantesca falésia social.

RICARDO ANTUNES, 60, é professor titular de sociologia do trabalho na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É autor de "Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil" e "Os Sentidos do Trabalho".
(FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/11/1368894-ricardo-antunes-espectros-falacias-e-falesias.shtml).



TEXTO II 

RICARDO ANTUNES: "A TERCEIRIZAÇÃO É DEVASTADORA PARA O BRASIL"

Sociólogo afirma que flexibilização compromete a CLT e precariza as relações de trabalho
por Carlos André Moreira



No último dia 8, a Câmara dos Deputados aprovou o texto principal do Projeto de Lei 4.330/04, que regulamenta o trabalho terceirizado no Brasil. O texto, que abre a possibilidade de terceirização de todos os serviços de uma empresa, e não apenas atividades secundárias, provocou protestos e uma ampla discussão sobre seu impacto no conjunto das leis trabalhistas do país. Para o sociólogo e professor da Unicamp Ricardo Antunes, o projeto é a extensão para todo o universo do trabalho de uma estrutura precária que é característica do trabalho terceirizado.

O que representa a aprovação da lei que regulamenta a terceirização?
O reflexo disso no mercado de trabalho, em particular no conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil será devastador. Porque embora o projeto e seus defensores digam que estão regulamentando a situação de 12 milhões de trabalhadores, que é a estimativa que temos hoje do número aproximado de terceirizados, a verdade é que esse PL, se aprovado, vai rasgar a CLT e implantar uma terceirização total de consequências imprevisíveis. Por exemplo, nós sabemos hoje que os trabalhadores terceirizados trabalham até 30% mais e recebem até 30% menos, são aqueles em que incidem os mais altos índices de acidentes de trabalho, são aqueles com os quais a legislação do trabalho é mais burlada, são aqueles que, quando entram na Justiça do Trabalho, a empresa mantenedora já fechou e não deixou rastro, e são aqueles que têm a maior dificuldade de representação sindical. Então, não é difícil imaginar o que vai acontecer quando você expande isso para a totalidade da nossa população economicamente ativa. É uma alteração que quebra a ideia celetista de um padrão mínimo equânime e igualitário para a força de trabalho regulamentada e permite a desregulamentação ampliada de todos os setores da classe de trabalho brasileira.

O discurso do universo corporativo contemporâneo, muito influenciado pelas companhias de tecnologia do Vale do Silício, é de que os negócios da nova era digital precisam ser ágeis e fluidos. Nesse contexto, leis com décadas de validade e suas garantias sólidas são vistas como entrave?
É essa a questão. Na verdade, essa questão não vem só da experiência recente do Vale do Silício, nos Estados Unidos, mas antes disso, em outro contexto e noutra realidade, do Toyotismo japonês, e depois, o que resultou disso, das formas de acumulação flexíveis. Como a produção deve ser flexível, a classe trabalhadora deve ser flexível: usa-se e descarta-se. Só que tem um traço decisivo: o trabalho é uma atividade vital para milhões de homens e mulheres São 100 milhões no Brasil e quatro a cinco bilhões de pessoas no mundo que dependem de trabalho para sobreviver. O trabalho não pode ser uma coisa líquida porque é um bem sólido. E é evidente que quando você destrói um bem sólido, a dignidade e o direito ao trabalho, você está criando uma sociedade da selva. E é bom não pensar que a classe trabalhadora não vai responder, porque vai sim. Ela vai levar umas semanas para assimilar o que se passou. Mas como o trabalhador brasileiro considera a CLT a sua Constituição, nós vamos ter embates sociais, e o mercado de trabalho vai virar uma confusão, porque a Justiça do Trabalho vai perder espaço, a CLT desaparece, tudo se terceiriza, então nós vamos entrar num terreno pantanoso e quem perde com isso são as forças do trabalho.

Mas não parece ter havido reação alguma.
Porque a aprovação foi feita de afogadilho. Esse Congresso que hoje tem amplo repúdio popular, agora sob a batuta de seu novo comandante, lépido e faceiro, está passando coisas graves sem debates. Os trabalhadores não entendem direito  a PL 4330, vai demorar um tempo para assimilar. De fato, as resistências primeiras foram pequenas, até porque, em uma semana, foi decidido que ele seria votado goela abaixo, porque a realidade do Congresso mudou, o governo Dilma está numa crise profunda, e muita gente está aproveitando para passar de supetão, quase que na calada da noite, questões que são vitais para 100 milhões de trabalhadores que fazem o país produzir e não deveriam ser mais penalizados.

(FONTE:http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/proa/noticia/2015/04/ricardo-antunes-a-terceirizacao-e-devastadora-para-o-brasil-4737727.html).

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